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Por Convite

Espaço Cultural Mercês, Lisboa
17 de Maio a 31 de Maio de 2021

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Numa atitude altruísta, com a passagem das estações, dos acontecimentos e estados físicos, as ligações humanas que se estabelecem de forma espontânea curiosamente vão sendo cultivadas e podem ser prolongadas na coabitação de espaços. Existe, marcadamente, uma naturalidade na maneira como se partilham sentimentos de negação, repulsa, estranhamento, mas também de conquista, surpresa e euforia que vão seguindo o decurso dos sentidos da vida.

 

Acreditem: a exploração íntima da realidade e da imaginação faz-se pela ousadia em amplificar o corpo alcançando outros corpos. Assim se inicia a criação de conexões vinculadas à estima intangível. Ninguém imagina um convite vão e oco que se arranca à dentada. Ninguém espera uma participação na pele do outro, enquanto não existir um contacto compreensível. Este é profundamente essencial. Braço no braço.

 

A partir desse momento, os gestos de Madalena Pequito e Maria Luísa Ramires são reveladores dos circuitos de humanização. Fazem dele parte a transferência de momentos, o significado dos objetos, o registo das ligações significantes. Trata-se, com efeito, de alcances na arte, que se faz vida. Pretende-se aqui reconstituir a experiência do lugar de criação artística, os processos em contexto de trabalho, árduo e fulgurante, as imediações nas quais as sucessões de instantes se multiplicam (Bourriaud, Nicolas, Esthétique Relationnelle, Paris, Les Presses du Réel, 1998).

 

É pela adição que renasce uma pulsação contínua, em duo. Na sua desordem aparente não há obra alguma que escape e que não seja retomada ou lançada ao debate. De ideias, argumentos. Uma discussão profícua a dois. As obras surgem como privilégios para o campo da perspetiva, na intensidade da profundidade (Deleuze, Gilles, Différence et Répétition, Paris, PUF, 1968. P. 296.) Retraindo-se ou aproximando-se, dependendo da maneira como são abordadas.

Estendemos o tecido e tomamos como rumo as marcas que nos levam aos portos seguros. Como pedras para a produção de imagem tridimensional; como sinais que se movimentam nas estradas de exposição. Como corpos de arte, constelações de imagens – já explicava Warburg (Warburg, Aby. Gesammelte Schriften II-I. Der Bilderatlas Mnemosyne, Berlim, Akademie Verlag, 2000) –, metamorfoseiam-se noutro corpo sob os olhos em observação.

Os gestos seguros e confiantes numa pintura onde abunda a cor garrida fazem crer que as sensações podem ser vividas de novo. Assim o indica a luz que emana da escultura em permanente suspenso. Um vídeo na sua irreverência a trabalhar as tónicas de experimentação a uma escala inédita. As imagens em permanente fuga. Há padrões estéticos que constituem planos reais da vida humana e outras montagens como solução necessária para a comunicação de identidades. Escrevia Jacques Ranciére: “Não é a realidade nua que dá testemunho. É a fricção das fronteiras e das hierarquias das representações, próprias do olhar estético” (Ranciére, Jacques, Aisthesis: Scènes du regime esthétique de l’art, Paris, Galilée, 2011).

Toda a ação artística apresentada em “Por Convite / By Invitation” é ponto de partida para destacar as múltiplas facetas de discernimentos pessoais ou apreciações imersivas, que as obras de Madalena Pequito e Maria Luísa Ramires fazem surgir. Aos nossos olhos compete-nos ver claramente sem ilusões, brincando com a sinceridade real por meios mais ou menos artificiais nestas tão suas individualidades conscientes.

 

Devemos concentrar as hipóteses de fuga ou de aproximação, os avanços e desvios que se fazem através argumentos lógicos e não finitos. Ou mesmo, os medos e as confissões venturosas do verdadeiramente poético. Aquelas relações entre nós e os diálogos que se estabelecem nas obras de arte. Laçamos, por isso, todas estas suas motivações para que saiam à vista os fragmentos convergentes das suas sensibilidades artísticas em perpétua respiração.

 

Texto e Curadoria de

Francisca Gigante

Madalena Pequito

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